domingo, 15 de novembro de 2009

A paisagem do Imbé


A paisagem do Imbé
Imbé faz parte do Litoral Norte do Rio Grande do Sul e sua economia está associada à atividade turística de veraneio, o que confere a região características de grande variação sazonal da população e intensa urbanização. Por esse motivo, muitas vezes, a dinâmica desse ambiente, assim como a flora e fauna, passam despercebidas pelas pessoas que só veraneiam ou até por aquelas que residem no litoral.
A paisagem do litoral gaúcho é constituída pelas praias marinhas, dunas, lagoas doces e salobras, encostas da serra e pelos banhados. Todos esses ecossistemas fornecem um valor paisagístico único. O Rio Grande do Sul, entre os estados atlânticos do Brasil é o que possui o litoral mais uniforme, e nele os maiores lagos do país.
O litoral rio-grandense apresenta vários caracteres peculiares. Existe uma uniformidade de estrutura em toda a sua extensão, com exceção a Torres; há um paralelismo de disposição evidente dos elementos da paisagem, já que tudo se orienta em direção sudoeste-nordeste e por último a multiplicidade de coloridos produziu uma paisagem exclusivamente rio-grandense que não há similar em todo o Brasil (1).
A paisagem litorânea é alterada freqüentemente, seja pela interferência direta ou indireta do homem ou por fatores físicos, químicos e/ou biológicos. As zonas costeiras são afetadas pelas mudanças do clima e do nível do mar, além da exploração pelo homem, que leva ao declínio gradativo dos recursos em diversas escalas, principalmente na escala regional. Entre as atividades do homem que alteraram consideravelmente a paisagem do litoral, através do desmatamento, bem como por drenagens, destacam-se: criação de gado, plantação de arroz e grandes extensões de monocultura de eucaliptos e de Pinus.
A vegetação
A delimitação real dos domínios da Mata Atlântica tem gerado muitas discussões. Originalmente, se estendia do Ceará ao Rio Grande do Sul e praticamente acompanhava todo o litoral brasileiro, cobrindo 1.306.421 km2 do território; atualmente, restam 8% do bioma original (2). A Mata Atlântica é constituída por florestas de planície e de altitude, matas costeiras e de interior, ilhas oceânicas e ecossistemas associados, como restingas, manguezais e campos de altitude.

A ocupação estrangeira do território brasileiro se deu pela costa, através de um pensamento de conquista e uso de um número máximo de recursos, sem nenhuma pretensão de conservação e manejo e sim atendendo a evolução econômica.

Mesmo restando tão pouco da cobertura original, a Mata Atlântica ainda é uma das florestas com maior biodiversidade do mundo. Muitas espécies ameaçadas de extinção e/ou endêmicas dependem desse bioma para a sua sobrevivência e conservação.

A vegetação que observamos atualmente na faixa litorânea em Imbé pertence à restinga, que é um ecossistema associado à Mata Atlântica. No entanto, a forte pressão antrópica e o aumento da urbanização fizeram com que restassem poucas áreas com condições favoráveis ao estabelecimento e a conservação da vegetação. Mesmo assim, em algumas faixas de dunas no Imbé ainda podemos avistar a flora e a fauna associada que fazem parte da restinga.

As areias litorâneas oferecem um substrato desfavorável à vida vegetal. Alguns fatores dificultam o estabelecimento de vegetais na planície litorânea. Entre eles: a areia é pobre em substâncias nutritivas para as plantas, a permeabilidade quanto a água é alta, há uma quantidade de sal marítimo que imobiliza grande parte da água infiltrada, o calor do sol é intenso e faz evaporar a umidade das camadas superficiais, o vento causa um impacto nas partes aéreas dos vegetais e é o principal responsável pela mobilidade das dunas, que muitas vezes acaba soterrando regiões nas quais vegetais conseguem se fixar(3).

No entanto, mesmo com todos esses fatores que dificultam a fixação e a sobrevivência dos vegetais nesse ambiente, a natureza sempre se mostra desafiadora. Existem espécies vegetais tolerantes e adaptadas a essas condições. Algumas características fisiológicas e/ou morfológicas na planta podem aumentar a sua tolerância, como por exemplo: ser suculenta, apresentar abcissão foliar, possuir um reduzido número de estômatos, e apresentar glândulas de excreção de sal, entre outras.

A vegetação de restinga é bastante complexa e vai desde tipos herbáceos até arbustivos e arbóreos. As dunas podem ser divididas em primárias (antedunas), secundárias e terciárias. As dunas primárias constituem uma comunidade pobre na riqueza de espécies, formada basicamente por Paspalum vaginatum, espécie extremamente tolerante à salinidade. Nas dunas que se estendem paralelamente à costa, as secundárias e terciárias, há uma diversidade mais elevada onde comunidades diferentes alternam-se devido a maior ou menor influência do lençol freático (4). Espécies como Hydrocotyle bonariensis e Panicum racemosum são características nessas dunas.

As dunas secundárias e terciárias possuem um papel ecológico importante na formação e na fixação das dunas costeiras, já que apresentam adaptações ao contínuo soterramento pela areia transferida pelo vento (5). No entanto, apenas uma faixa pequena da planície litorânea em Imbé ainda possui dunas secundárias e terciárias, estas foram substituídas por calçadões e por construções de quiosques, casas e etc. Mesmo assim, em função da fragilidade dos ecossistemas de restinga, a vegetação que existe, exerce um papel fundamental para a estabilização dos sedimentos e a manutenção da drenagem natural, bem como para a preservação da fauna residente e migratória associada.

A fauna

O Rio Grande do Sul tem uma importância ecológica mundial no que diz respeito às aves migratórias. Além destas, muitas aves residem na costa litorânea, e podem ser vistas com facilidade em Imbé. Algumas espécies que ocorrem no Imbé estão organizadas numa lista (Tabela 1).

A listagem a seguir teve como base o material elaborado pelo Ceclimar e pela UFRGS (Aves de Imbé-Litoral Norte/RS), tendo sido este revisado e atualizado com base na lista proposta pelo CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos) 2006, Listas de Aves do Brasil. Versão 10/02/2006. Disponível em http://www.cbro.org.br Acesso em {25/04/07}.


Tabela 1. Aves de Imbé, litoral norte do Rio Grande do Sul.
Espécie Nome comum Família Status
Plalacrocorax brasilianus biguá Phalacrocoracidae R
Ardea Alba garça-branca-grande Ardeidae R
Egretta thula garça-branca-pequena Ardeidae R
Syrigma sibilatrix maria-faceira Ardeidae R
Nycticorax nycticorax savacu Ardeidae R
Mycteria americana cabeça-seca Ciconidae R
Rostrhamus sociabilis gavião-caramujeiro Accipitridae R
Milvago chimango Chimango Falconidae R
Falco sparverius quiriquiri Falconidae R
Caracará plancus carcará Falconidae R
Haematopus palliatus piru-piru Haematopodidae R
Pardirallus sanguinolentus saracura-do-banhado Rallidae R
Jacaca jacaca jaçanã Jacanidae R
Himantopus himantopus pernilongo Recurvirostridae R
Vanellus chilensis quero-quero Charadriidae R
Espécie Nome comum Família Status
Charadrius collaris batuíra-de-colar Charadriidae R
Charadrius falklandicus batuíra-de-coleira-dupla Charadriidae VN
Tringa melanoleuca maçarico-de-perna-amarela Scolopacidae VN
Gallinago paraguaiae narceja Scolopacidae R
Larus dominicanus gaivotão Laridae R
Sterna trudeaui trinta-réis-de-coroa-branca Laridae R
Rynchops niger talha-mar Rhynchopidae R
Zenaida auriculata pomba-de-bando Columbidae R
Columba Lívia pomba-doméstica Columbidae R
Leoptotila verreauxi juriti-pupu Columbidae R
Crotophaga ani anu-preto Cuculidae R
Guira guira anu-branco Cuculidae R
Athene cunicularia coruja-buraqueira Strigidae R
Hylocharis chrysura beija-flor-dourado Trochilidae R
Colaptes melanochlorus pica-pau-verde-barrado Picidae R
Colaptes campestris pica-pau-do-campo Picidae R
Furnarius rufus joão-de-barro Furnariidae R
Xolmis irupero noivinha Tyrannidae R
Satrapa icterophrys suirir-pequeno Tyrannidae R
Machetornis rixosus suiriri-cavalheiro Tyrannidae R
Pitangus sulphuratus bem-te-vi Tyrannidae R
Tyrannus savana tesourinha Tyrannidae VS
Progne tapera andorinha-do-campo Hirundinidae R
Troglodytes musculus corruíra Certhiidae R
Sicalis flaveola canário-da-terra Emberizidae R
Thraupis sayaca sanhaçu-cinzento Emberizidae R
Coereba flaveola cambacica Emberizidae R
Sturnella superciliaris polícia-inglesa Icteridae VS
Amblyramphus holosericeus cardeal-do-banhado Icteridae R
Molothrus bonariensis chopim gaudério Fringillidae R
Passer domesticus pardal Passeridae R


Além destas aves citadas na lista, algumas aves marinhas pelágicas migram para o litoral gaúcho, como albatrozes, petréis e pingüins.
Em relação aos cetáceos, grupo representado por baleias, botos e golfinhos, até o momento, é conhecida a ocorrência de 42 espécies para o Brasil, sendo que o Rio Grande do Sul é a área com uma das maiores diversidades do país. Atualmente, são registradas 34 espécies para a água do Estado, o que representa 80% de todas as espécies do país. No entanto, muitas dessas espécies não são avistadas por serem oceânicas (6).

As espécies de cetáceos mais freqüentemente encontradas são Pontoporia blainvillei (toninha), Tursiops truncatus (golfinho-comum), Eubalaena australis (baleia-franca) e Delphinus delphis (delfim-comum) (7).

Entre os pinípedes, as espécies mais observadas são Otaria flavescens e Arctocephalus tropicalis, principalmente durante o outono e a primavera (8). Os outros pinípedes são visitantes ocasionais.

• Relação pescador-boto-tainha no estuário do Rio Tramandaí

Entre Tramandaí e Imbé, no Rio Tramandaí e no Rio Mampituba, existe uma forte cooperação entre o homem e os botos, os pescadores se introduzem no mar até a cintura, enquanto o boto ecolocaliza o cardume e o conduz até próximo à costa, avisando do melhor momento para o tarrafeio (9). Essa interação, entre os pescadores e os botos, pode ser vista acontecendo com uma certa facilidade na barra; de um lado os homens possuem sucesso na pesca e por outro, os botos aproveitam as tainhas que escapam da rede. A pesca é altamente ritualizada e parece envolver comportamento aprendido tanto no homem como no delfim. Pesca especializada culturalmente transmitida. Os estuários funcionam como regiões de reprodução e crescimento para muitas espécies de peixes, que se beneficiam das condições de “abrigo” e da disponibilidade de alimentos.

Conservação

Estamos vivendo uma crise ambiental mundial, ao mesmo tempo, há um crescente comprometimento para resolver os problemas atuais. Dessa forma, devemos pensar num gerenciamento costeiro de qualidade, na qual esteja incluído o manejo adequado de todos os recursos naturais, para que haja uma redução da ameaça a flora e a fauna, possibilitando dessa forma uma vivência mais harmônica do homem no litoral. Esse gerenciamento deve ser pensado de forma a conservar a biodiversidade e respeitar o habitat na qual estamos inseridos e dependemos dele para uma boa qualidade de vida.

Para que possamos usufruir o que a paisagem nos proporciona e utilizar os recursos naturais do litoral gaúcho por muitas gerações, é necessário que haja conhecimento científico, consciência e gerenciamento. Para isso, devemos buscar as conexões responsáveis pela manutenção do ecossistema; pensar na conservação em escala apropriada, ou seja, não apenas em conformidade com as fronteiras políticas estabelecidas pelos governos; reconhecer que o ser humano faz parte dos ecossistemas e que valores humanos influenciam a conservação ou destruição dos ecossistemas.

Algumas medidas podem ser feitas para ajudar na conservação do litoral, como a limitação de extração de recursos naturais, controle do lançamento de resíduos, do uso do solo e etc. Devemos juntar esforços na conscientização (educação ambiental), na fiscalização (leis cumpridas) e na pesquisa científica para a melhor compreensão da estrutura, na composição da flora e fauna, das interações entre o homem e o meio ambiente.


NOTAS
1- RAMBO, B. A fisionomia do Rio Grande do Sul. 2°ed. Porto Alegre: Selbach, 1956.
2- SCHAFFER, W. B.; PROCHNOW, M. (Orgs). A Mata Atlântica e você: como preservar, recuperar e se beneficiar da mais ameaçada floresta brasileira. Brasília, APREMAVI, 2002.
3- Ver nota 1.
4- PFADENHAUER , J. & RAMOS, R.F.. Um complexo de vegetação entre dunas e pântanos próximo a tramandaí-Rio Grande do Sul, Brasil. Iheringia, ser. Bot., Porto Alegre, 1979.
5- Ver nota 1.
6- FONTANA, C.S; BENCKE, G..A; REIS, R.E. (Org). Livro Vermelho da fauna ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul. EDIPUCRS, Porto Alegre, 2003.
7- SEELIGER, U., ODEBRECHT, C. & CASTELLO, J.P. (Eds). Os ecossistemas Costeiro e Marinho do Extremo Sul do Brasil. Editora Econscientia, Rio Grande, 1998.
8- Ver nota 7.
9- TABAJARA,L. Aspectos da relação pescador-boto-tainha no estuário do Rio Tramandaí-RS. In: Botos do Rio Tramandaí. Prefeitura Municipal de Tramandaí/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 76 p., 1992.

Texto Biologa Bianca H

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